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Princípio da Presunção de inocência

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O princípio da presunção de inocência rege o sistema processual penal, visto que impede que alguém tenha a sua liberdade restringida pela simples condição de ser investigado ou acusado em procedimento penal.

Previsto na Constituição do Brasil de 1988 como direito fundamental, impõe genuína pedra de toque ao tema das cautelares penais, já que qualquer limitação da liberdade só é possível caso haja necessidade cautelar.

Este seria, portanto, o primeiro alcance normativo do princípio constitucional: (a) regra de tratamento do investigado/acusado.

Nesse sentido, figuram-se como inconstitucionais eventuais leis que restrinjam a liberdade antes do exaurimento do processo penal devido, seja que condição for do agente (investigado ou acusado) e ainda que tenha sido preso em flagrante delito.

Portanto, deve-se invocar o princípio da presunção de inocência sempre o fundamento apresentado para a decisão cautelar for a prática do crime, o que representa, inevitavelmente, o reconhecimento apriorístico da responsabilização penal que nem sequer foi reconhecida. Não pode, pois, eventual decisão cautelar – pendente ou mesmo nem iniciada a ação penal correlata ao caso – antecipar a avaliação jurídica sobre o caso, como se sentença fosse.

Assim, quando a Defesa se deparar com decisões que mencionam a gravidade do fato como fundamento para a prisão ou qualquer outra limitação de liberdade, está-se, inequivocamente, violando-se a presunção de inocência.

Esse vício, por ser tão presente na prática judiciária, provocou a criação da seguinte regra normativa, trazida ao CPP pela Lei n.º 13.964/19:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (…) § 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Ademais, eventual “gravidade abstrata” ou “concreta” de determinado fato em apuração, apontada como fundamento de decidir da decisão cautelar, contrasta com a garantia de que o investigado/acusado não pode sofrer qualquer consequência jurídica decorrente da pendência de julgamento do caso penal.

A outra dimensão da presunção de inocência destacada pela doutrina é a que se refere à (b) regra de processamento. Consiste na atribuição do ônus exclusivo do MP da prova penal para se retirar alguém do estado de inocência. Assim, a despeito do que prevê o artigo 156, “caput”, do CPP, a prova da imputação penal (e obviamente de eventuais cautelares conectadas ao caso) cabe exclusivamente à acusação, não se podendo, por isto, exigir qualquer ônus probatório ao investigado/acusado.

Primeira consequência: o MP/Querelante/vítima tem a exclusividade postulatória para eventuais medidas restritiva de direitos atrelada a algum caso penal. Isso porque, se o MP é o legitimado a propor a ação processual, somente a ele caberia requerer a limitação da liberdade de alguém que é imputado. Ou seja, se a cautelar se vincula a um processo de conhecimento, por coerência lógica, cabe apenas ao legitimado ao processo cognitivo (ação penal) a competência legal para postular a providência de cautela.

Nesse sentido, foi a alteração promovida no CPP pela Lei n.º 13.964/19 sobre a legitimação para as cautelares:

Art. 282 (…) § 2.º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Está-se, assim, vedando decisões cautelares ex officio e proferidas sem representação ou requerimento, a autoridade policial e MP/Querelante/vítima, respectivamente.

Por segundo, tem-se a questão do ônus da prova sobre a matéria cautelar: a quem compete a demonstração dos requisitos e dos fundamentos de uma cautelar penal?

A resposta não pode ser outra senão ao Ministério Público/Querelante/vítima, no mesmo sentido do já exposto. Portanto, não cabe à defesa provar negativamente a inexistência de quaisquer dos elementos da cautelaridade penal.

Como o ônus da prova é exclusivo do Estado, não se pode apontar conclusões pejorativas contra o agente quando ele não se desincumbiu a esclarecer ou dar explicações que a autoridade julga conveniente antes do julgamento (contraditório).

A terceira dimensão do princípio da presunção de inocência diz respeito à (c) regra de julgamento. A partir dessa óptica, caso se tenha alguma dúvida na interpretação de algum elemento cognitivo produzido para o julgamento, essa (interpretação) tem que ser valorada a favor do investigado/imputado.

Como isso se aplica às cautelares? Pode-se dizer que se aplica não apenas para avaliação dos requisitos (inclusive para a adequada tipificação do caso), como também para a avaliação sobre os fundamentos cautelares, além de incidir para se aferir se a medida cautelar que pode ser considerada adequada para o caso.

Melhor dizendo: caso haja dúvida, ao se deparar o intérprete (juiz/MP/defesa) com mais de uma possibilidade de se valorar tal elemento de convicção, a solução a ser dada será, sempre, a de preservar a presunção de inocência, proferindo-se decisão mais benéfica ao cidadão.

Portanto, não tem espaço, no processo penal regido pela presunção de inocência, qualquer possibilidade de aplicação da máxima do “in dubio pro societate”.